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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Rugas

A persiana permite que os raios solares pousem sobre o meu colo. O formato de sua luz zomba de meu estado e estou muito cansado para achar graça. Sempre admirei os idosos que conseguem zombar da velhice e da morte. Mas eu não consigo. Estou preso nesse lugar e estou preso no meu corpo. Minha morte apenas trancará as portas dessa cela.

As cortinas deixam escapar a luz do sol que bate em minha mesa e me impede de ler o que escrevo. Mas nem sei o que copio. Passo tudo que a professora passa no quadro para não morrer de tédio.
Ás vezes, nem escrever ajuda. Minha mão começa a doer. Começo a olhar para os outros cantos da sala. Observo a garota que gosto. Se não fosse tão indiscreto, passaria toda a aula a olhar para ela.
Para algumas pessoas, há sempre a necessidade de contato íntimo. Mas para mim não. Apenas o olhar basta. Olhar e sair impune de todos os meus desejos.

A porta do quarto está entreaberta e a luz do corredor invade o quarto. Essa luz revela um pedaço de minha cama que se encontra vazio. Ela não está aqui e me pergunto porquê. Apuro meus ouvidos e percebo passos vindos da cozinha. Ela entra no quarto sem roupa, vestindo apenas um copo de água em sua mão e seus cabelos dessarumados que obstruem minha visão de seus olhos. Por um momento, desejo apenas comê-la de longe. Mas não posso. Pergunto “está tudo bem?” Ela responde que sim, mas percebo que não e desejo apenas ficar calado. Peço: “me conte qual o problema.” Desejo não escutar.

Meu estômago embrulha. A garota que eu gosto está vindo para esse lado da sala. Sinto nada, apenas meu coração batendo forte. Tanto, tanto, tanto, tanto.
Por alguns minutos, ou segundos, não sei, eu não sinto nada e sua pele roça levemente na minha e é o suficiente para que um choque elétrico percorra todo meu corpo.

Meu maior erro foi acreditar que para tudo deve haver um motivo. Saber que não há nenhum foi minha perdição. No momento que tive certeza que não havia nada, foi o momento em que meus joelhos começaram a estalar. A cada passo que eu dava, ele dava um estalo. Igual os ponteiros de um relógio que giram apressados para o próximo tique. Desde então, parei. Desde então, permaneço sentado observando o mundo através dessa persiana barata.

Lamento o momento em que acordei no meio da noite. Quero bocejar, mas não posso. Funciona como uma injeção, só deve se tirar a agulha quando o êmbolo já for todo pressionado. Rezo para apertar a porra dessa seringa de uma vez! A injeção acaba quando ela se veste e vai embora. Sinto a porta do apartamento bater como uma agulha saindo de minha pele. Suspiro com a consciência que a dor apenas começou.

Aquele momento em que aquela garota que eu gostava na escola encostou em meu braço, bastava. Não necessitava de mais nada. Tudo que veio depois só serviu para me afastar daquilo que realmente importou.
Mas agora tudo isso não vale mais nada. Essa luz me machuca.
Meus olhos dóem e eu quero fechá-los.
Minhas rugas são tantas, eu não consigo fechá-los.
Minhas rugas são
tantas que eu
não consi
go fechar.
Tantas rugas
consigo.

Sigo.