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terça-feira, 10 de setembro de 2013

As Marcas Que Ficaram

No mês de Junho, o Brasil foi marcado por uma série de manifestações que tomou a população e seus governantes de surpresa. Uma mobilização dessa magnitude não acontecia no país desde os tempos do Fora Collor. Parecia muito improvável que pessoas voltassem a sair de casa pelo aumento de mais vinte centavos na passagem do ônibus.

Sobre essas manifestações muito já foi escrito, desde os motivos dela ter acontecido até o rumo que elas tenham tomado nas semanas recentes. Mas seria mais importante ressaltar o tipo de discussão que pairava no turbulento mês de Junho. Foi durante esse período que mais se ouviu falar sobre política nas ruas, e isso tem sido a maior vitória que as mobilizações alcançaram.

A meu ver, as duas mais importantes pautas dessas discussões foi a causa do protesto e a razão das manifestações tomarem toda a proporção que tomou. Essas são a qualidade do transporte público e o despreparo da polícia em servir a população.

A qualidade do transporte público no Rio de Janeiro e no Brasil é notoriamente uma vergonha. Paga-se muito por um serviço péssimo. Como se não bastasse, o governo insiste em focar seus investimentos no transporte particular, alternativa que é inviável em uma cidade de grande porte.

A melhoria do serviço e a diminuição ou extinção (porque não?) do preço da passagem é essencial para a melhoria da infra-estrutura da cidade. Um transporte público excelente é essencial para a circulação de recursos humanos e a democratização dos espaços públicos. Ou seja, é inadmissível que o trabalhador fique preso no trânsito no caminho para o trabalho diminuindo sua produtividade e seu horário de lazer ou que eles não possam usufruir de lazeres como teatro, cinema, praia e parques devido a enorme distância desses lugares de sua casa.

Outra urgência brasileira é o despreparo da polícia brasileira. O que se mostrou nas ruas em junho foi só uma amostra da incapacidade da organização e de seus integrantes de reconhecerem seu papel na sociedade, servir e proteger a população. Em tempos que policiais atacam pessoas para que interesses exclusivos de uma elite sejam defendidos, é urgente que se discuta não só a desmilitarização da polícia como também a redefinição do seu papel para o povo.

Existem muitos outros pontos que merecem ser discutidos, mas foram esses que achei mais evidentes vindo das mobilizações. É necessário que as pessoas não deixem de fazer política nas ruas e que nossas deficiências sejam analisadas regularmente. Caso contrário, as manifestações de nada serviram.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Violência Desportiva Em Um Show De Rock

No último mês de julho, tive a oportunidade de estar presente em dois ótimos shows no Circo Voador. O primeiro, o show da lendária banda de Hardcore, Dead Fish, o outro foi da banda de pop punk adolescente que adquiriu com o tempo pitadas de reggae, o Forfun.

Nessas duas experiências pude fazer parte de uma prática comum dos shows de rock mas da qual meu histórico se limitava a festas alternativas com um bando de bêbados animados. A rodinha punk.

Esse tipo de violência desportiva, que ocorre em maior ou menor densidade dependendo de onde e de quem seja o show, possui um caráter polêmico. Porque, nem todos estão afim de levar uma cotovelada aleatória enquanto tenta assistir ao show de sua banda favorita.

Logicamente, certos tipos de espetáculo favorecem essa prática. No SWU de 2011, tive a oportunidade de presenciar uma roda gigantesca devidamente conclamada por Digão, líder da banda Raimundos. Na oportunidade, me satisfiz em olhar de longe atrás da grade que me separava da plateia de onde a roda surgiu.

Há porém, outros lugares onde essa prática não seja tão bem aceita embora seja comum. Um desses casos é o caso das festas alternativas. Eu compreendo completamente os olhares reprovadores para os rodeiros. As pessoas deviam estar ali para dançar, não para causar acidentes aéreos de HI-FI's e caipirinhas.

Porém, sempre os Dj's insistem em colocar um Rage Against The Machine para que a galera mais animada posso se acotovelar com a trilha sonora adequada. O que gera a preocupação de uma parcela dos seguranças e, geralmente, é seguida de um pedido ao DJ para que a bateria de músicas pesadas e rápidas parem para que o pessoal dê uma respirada.

Assim, a música é trocada por um tradicional The Smiths ou Bon Jovi. Isso, normalmente, é o suficiente para as pessoas se lembrarem que estão em uma boate e começarem a procurar a primeira bêbada para despejar suas melhores cantadas.


Em busca de uma experiência mais intensa, um show do Dead Fish é o ideal. Uma rodinha punk mais que decente é o mínimo que se espera de um show no qual o vocalista sempre acaba por brigar com alguém.

O show em que fui fazia parte de um festival em que participavam 4 bandas: Plastic Fire, Oitão, Rancore e Dead Fish. Consegui chegar apenas para o show da segunda banda. Som pesadíssimo mas plateia, embora boa, muito rala. A rodinha serviu para dar uma aquecida para os shows subsequentes, mas só. No entanto, mesmo se não tivesse rodinha, a experiência já teria valido por ter conhecido a banda.

A outra banda era a Rancore. Eu já tinha escutado o último disco deles e estava ansioso para ouvir eles ao vivo. O show foi muito bom, em parte pela plateia que estava empolgadíssima. Apesar do som não ser muito propício, a rodinha rolava soltava. Tive que me segurar em algumas músicas para não chegar no show da noite sem folêgo.

Guardar minhas energias foi sábio. Existem poucas experiências tão intensas quanto assistir um show do Dead Fish na meiuca. A violência rolava solta em 99% do tempo em que a guitarra podia ser escutada. Pessoas se empurram sem a menor discriminação e socos eram disparados como se tivessem sidos possuidos por demômios.

A roda era composta de magrelos e gordinhos com bandas de rock e alguns carinhas fortinhos sem camisa. Apesar de me assustar com a aparência de pitboy de alguns, a maioria mostrava que estava lá só para se divertir. Embora, em certo momento do show, eu tenha sido atingido em cheio na boca do estomâgo por um desses fortinhos que eu tinha certeza que dera  o golpe propositalmente.

Apesar de ter sentido o golpe, tratei de engulir a raiva de tentar me vingar em plena rodinha do fdp e me concentrei em permanecer em cima das pernas. O que não foi possível em um momento, mas, felizmente, fui rapidamente levantado pelo mesmo braço que tinha me empurrado.

Aí que reside a beleza da rodinha. O importante não é desferir golpes desleais em seu companheiro, o que importa é descarregar toda energia em uma violência cega inofensiva que faz a adrenalina correr e faz você se sentir mais vivo.

A minha queda e a de outros bêbados que estavam por lá demonstrava justamente isso. Assim que um corpo caía, meia dúzia protegia-o dos riscos de uma rodinha e outra meia dúzia ajudava o cara a se levantar o mais rápido possível. Ninguém quer que ninguém se machuque, exceto o fdp que me deu aquele soco.

Apesar das dificuldades, consegui me manter rodando quase todo o show e não sofri ferimentos graves. A dor que durou por dias em todo meu corpo e principalmente nos braços foi inevítavel, mas valeu muito a pena.



O show do Forfun tinha uma vibe totalmente diferente. Eles estavam lançando o seu primeiro dvd que continha, além das ótimas faixas de poppunk adolescente, as novas faixas do disco Alegria Compartilhada que está recheado de positividade.

A maratona para conseguir assistir a esse show foi extenuante. Além de ter que aguentar a cantoria de dezenas de chilenos por todo engarrafamento causado pela vinda do papa, fui obrigado a assistir um show religioso enquanto esperava na fila nunca antes vista para entrar no Circo.

A fila só começou a andar em velocidade decente quando a banda tinha começado a cantar a primeira música. Já era tarde mas não tinha problema, o setlist era grande e nada podia estragar o show.

Ao ouvir os primeiros acordes de perto, a primeira reação que tive foi me intrometer nos corpos amontoados ao redor do palco para curtir o show. Me desprendi do grupo o qual estava acompanhado e me lancei no bando daqueles malucos pulando.

Ao contrário do show do Dead Fish no qual eram minoria, os fortinhos sem camisa se encontravam em grande número na plateia. A primeira má impressão também foi superada e eles pareciam inofensivos.

A roda tinha menos socos e mais pulos, o público pulava em grandes círculos que as vezes se abriam para que pudessem ser lançadas pessoas no ar. O show foi muito menos intenso devido a completa impossibilidade de se fazer uma rodinha ao som de uma guitarra reggaeada. Mas as músicas antigas garantiram que o suor escorresse da minha testa em umas das rodas mais divertidas.

O show do Forfun é dotado de uma simplicidade incrível. Além das mensagens incríveis que eles passam nas músicas, em poucos shows é possível compartilhar uma rodinha com Dedeco da banda Dibob, outra grande expoente do rock surfista dos anos 2000.

Apesar do clima de despreendimento reinar no show, nem tudo era alegria compartilhada. Parecia que alguns dos fortinhos não queriam apenas brincar e, apesar de não ter visto nada grave, parecia que qualquer um ia partir para briga com alguém. Mas felizmente sempre haviam pessoas dispostas a apartar o desentedimento.

O show deles é muito bom e aconselho a todos irem, mas parece que uma parcela da plateia não conseguia entender o que a letra dizia. Porque tenho certeza, se todos ouvissem Forfun, esse mundo seria muito melhor.


Essas duas experiências me agraciaram com uma compreensão mais completa de um show de rock nacional. Me mostraram que as pessoas deveriam sair das boates e migrarem para os shows, porque lá é onde a magia acontece. Ouso dizer, que o show é a realização completa da música, onde o artista encontra o público não só através de sons, mas também através de energia. Energia que nunca se comparará ao som opaco de uma gravação.

Em todo esse processo, a rodinha punk é presença certa em shows de rock, também ouso dizer que ela é determinante na qualidade de um show. Logicamente, ela deve se adequar ao estilo de som que está tocando. Mas os pulos desajeitados e os socos cegos serão sempre preferíveis à contemplação passiva do espetáculo. E isso difere um show de rock de um show qualquer.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Servir e proteger?

"A PM só usa a força contra este tipo de 'manifestante' "

No dia 30 de junho, após os protestos no Maracanã, o twitter PMERJ, que pertence a nossa querida Polícia Militar, postou a foto acima com os seguintes dizeres: "A PM só usa a força contra este tipo de 'manifestante' ". Esse é um sintoma claro de que, além de agir com violência exacerbada, a polícia demonstra um profundo desconhecimento do que viria a ser a sua real função.

O lema da Polícia Militar é "servir e proteger", e nada mais justo que esperarmos que a polícia sirva e proteja a população. Mas não é isso que vemos, seja em caso de manifestações ou em outros casos. A polícia demonstra que ela existe para servir os poderosos e proteger a propriedade privada.

A ação dessa organização nos protestos nos permite pensar assim. Ao invés dela assegurar à população o direito de manifestação e garantir a segurança das pessoas, a polícia agride e aterroriza os manifestantes em uma suposta premissa de dispersar, que por si só se mostra desacertada pelo fato da população possuir o direito de ocupar as ruas.

Ao agir sob o comando do governo e, por conseqüência, da FIFA, fechando as ruas ao entorno do Maracanã, a polícia demonstra claramente a quem ela mostra serviço. Os manifestantes não fazem mais que o esperado ao tentar furar essa barreira que é a representação da exclusão da sociedade civil da participação das decisões sobre a cidade.

Mas, mesmo assim, muitos criticaram a ação dos grupos violentos. Não é nenhum absurdo dizer que houveram excessos por parte de alguns manifestantes nos protestos, porém a maioria age por uma causa justa. Muitos dos encapuzados e vestidos de preto (Black Bloc) exercem o papel de retardar a ação da polícia permitindo que os outros manifestantes fujam das bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Ou seja, ao usar a violência em grupos como o da foto, a polícia não está fazendo nada além de atacar quem está fazendo o trabalho que ela não faz, proteger a população. É nosso dever agradecer a polícia quando ela faz um bom trabalho, mas, definitivamente, ela não o está fazendo nessas últimas semanas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cheiro de Chuva




Já são 6 horas e a chuva continua a cair. Dizem que o cheiro de chuva não é nada senão o cheiro de terra molhada. Mas aonde estou, não pisamos mais na terra. Aqui, tudo é feito de concreto, asfalto e metal. E embora tudo seja feito de concreto, asfalto e metal, a chuva continua com cheiro de chuva. Mesmo que a altura desses prédios apinhados de gente escondida em seus apartamentos, me impeça de molhar o meu corpo.